O Suicídio ou a Difícil Tarefa de Existir!
Nos últimos anos, a taxa de mortalidade relacionada ao suicídio tem crescido de forma epidêmica em todo o globo. As perdas são tantas, que a OMS (Organização Mundial de Saúde) tem se ocupado em desenvolver um protocolo de prevenção e tratamento para este que passou a ser um caso de saúde pública. As pesquisas apontam que as causas do fenômeno são multifacetadas, e aqueles que o exploram em busca de respostas, chegam a conclusões bastante diversas quanto à natureza deste intrigante ato humano. A variedade dos fatores apontados como causa de suicídio (familiar, social, biológico e psicológico) acabou levando os especialistas a concluir que tal ato pode ser compreendido tanto no campo do singular, como no campo do universal.
Mesmo com tantas declarações documentadas em cartas, vídeos, gravações telefônicas, em que os suicidas deixam registradas suas últimas palavras, o ato de por fim à própria vida de forma voluntária e às vezes bastante consciente, continua a ser um grande enigma para quem se debruça sobre o comportamento humano. Afinal, o que pode levar alguém a provocar a própria morte, quando todo movimento vivo está direcionado para a autopreservação e conservação da vida? A resposta está na constatação de que quem tenta o suicídio não quer realmente morrer, até por que não temos psiquicamente uma representação do que seja a morte. Quem tenta o suicídio quer sim, desesperadamente, por fim a um sofrimento do qual não consegue se separar de outra forma, um sofrimento tão insuportável, tão indescritível, que a morte passa a ser percebida como a única saída. A morte seria, portanto, o último recurso de um sujeito frente a uma angústia de fragmentação, que por ser tão violenta, é impossível de ser pensada por quem não se aproximou de tal experiência.
Resta perguntar, a esta altura, o que podemos fazer quando detectarmos que alguém possa estar sendo capturado nas redes mortíferas do pensamento suicida? Qual a conduta mais indicada? Em primeiro lugar é preciso saber que tais pensamentos vão sendo construídos e adquirem força ao longo da vida de uma pessoa, de forma que não se deve tomá-los como superficiais e transitórios. São sentimentos carregados de ódio, culpa, solidão, angústia e vergonha, que não abandonam o sujeito há muito tempo, e que devem ser levados muito a sério por quem quer ajudar. A pessoa que quer morrer não deve ser calada sobre tais sentimentos, e nem ser tomada como ilegítima em sua vontade. É preciso legitimar este desejo, respeitá-lo, e não querer suprimi-lo, como mandam as nossa melhores intenções.
Sendo o suícidio compreendido como uma problemática de saúde mental, é urgente que se tome consciência da importância do diagnóstico precoce e do tratamento para quem sente tais inclinações. A orientação neste caso é de que se busque ajuda profissional (psicólogo ou psiquiatra), mas deve ficar claro desde já que a ferramenta mais importante é a fala! Recorrer a auxílio medicamentoso às vezes é imprescindível, mas o fundamental no tratamento de quem sofre de ideações suicidas, é que ele seja acompanhado por um processo de fala, de palavra. É de se esperar que o suicida, ao falar, ao passar seu sofrimento pela palavra, possa fazer outras leituras da situação que lhe oprime tanto, e que até então lhe parece sem saída. Falando a uma escuta especializada, ele pode interrogar de outra forma seu ato, sua existência e seu desejo. Como o suicida está em dificuldades de se representar na cena do mundo, de encontrar um lugar válido na existência, cabe a seu próximo ajudar a lhe devolver, através da palavra, um lugar de dignidade na difícil tarefa de existir.
Bernardo Mantovani – Psicanalista
CRP 07/16289