03/12/2019 Por 3S Corp 0

É o revisaço regulatório – só que (ainda) não

Há, como sempre, dois futuros possíveis, o futuro que a norma quer, e o futuro que o Brasil permite…

Foi publicado o decreto presidencial n. 10.139. Ele se aplica a todos os regulamentos federais que não sejam decretos, possuam destinatário nominado, ou sejam meras recomendações. Pretende abranger toda a confusa sopa regulamentar federal: orientações normativas, diretrizes, circulares, portarias etc.

O decreto busca, de início, simplificar as espécies de regulamento. A partir dele, só existiriam, além dos decretos presidenciais, três espécies: portarias (atos singulares), resoluções (atos colegiados), instruções normativas (atos explicativos).

Tais regulamentos começariam a viger no primeiro dia útil do mês seguinte ao de sua publicação, respeitada a vacatio mínima de uma semana.

A segunda proposta é promover o que, na linguagem da marquetagem, chamou-se de revisaço regulatório.

Todos os regulamentos abrangidos pelo decreto devem ser revistos e consolidados, implicando, ou sua revogação expressa, ou sua manutenção, com a edição de “ato consolidado sobre a matéria”. Ter-se-ia ‘portariazonas’ temáticas – talvez portariaças‘ capte mais o clima -, ‘resoluçõeszonas’, ‘instruçõezonas’, cujo artigo final revogaria analiticamente um sem-número de regulamentos.

Proíbe-se a revogação tácita (art. 8o, I) e se determina a revogação de norma sem sentido, ou cujo sentido ninguém consegue descobrir qual é (art. 8o, III). Deve-se melhorar a técnica de redação normativa (art. 9o) e publicar os regulamentos, de modo uniforme, na internet (art. 16). A administração federal direta e indireta deve concluir o revisaço até 31 de maio de 2021. Depois disso, a administração não poderia aplicar multas ou indeferir requerimentos com base na norma não consolidada.

Pois bem: o decreto possui evidente bom propósito. Racionalizar as espécies regulamentares é salutar. Qual é a diferença prática entre uma carta-circular, uma circular, uma portaria?, nenhuma, é tudo regulamento.

Também vem em boa hora, embora mais com efeitos simbólicos do que práticos, a busca por clareza na redação dos regulamentos, e, aqui sim de modo concreto, o dever de colocar à disposição, nos sites dos órgãos e entidades, com algum nível de padronização, a íntegra dos regulamentos. Eu iria mais longe, condicionando a vigência dos regulamentos à sua presença no site. Mais clareza linguística e mais capacidade de acessar o conteúdo pela internet é o conteúdo mínimo, em 2019, do princípio da publicidade.

Por outro lado, o decreto contém dever que soa profundamente suprarrogatório, que é o de realizar amplíssimo lookback normativo, em todas as entidades da administração direta e indireta federal, em ano e meio.

Veja-se, por exemplo, que as agências reguladoras federais sequer conseguem cumprir plenamente o dever de realizar Análises de Impacto prospectivas, coisa que muitas já vêm fazendo há anos. Se ainda não fazem a contento AIR prospectiva, terão que fazer, ao mesmo tempo, algum nível de AIR retrospectiva – esse parece que é o propósito de consolidar apenas normas “que façam sentido” – , sob pena de não regularem. É arriscado, é temerário, é pedir para dar errado. Com tanta racionalidade apressada, vamos terminar irracionais.

Enfim: há, como sempre, dois futuros possíveis, o futuro que a norma quer, e o futuro que o Brasil permite. Se o decreto fomentar o acesso fácil, consistente e padronizado a todos os regulamentos federais já fará muito. Quanto ao revisaço, ou a Administração Federal brasileira vai deixar de existir, ou ele vai ser cumprido do jeito que dá. Vai-se revogar aqui e ali, e vai-se consolidar, em bloco, o restante. O revisaço impossível, então, cumprirá sua viagem redonda, tornando-se igual a seu primo mais velho – o revogaço inútil. A ver.

 

Fonte da notícia: www.jota.info (29/11/19)